Coluna Semanal – Quando a guerra tem comando feminino – Por Dra. Patrícia Belfort

 

Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, a Coluna Semanal de estreia do Pauta de Hoje já está no ar com Dra. Patrícia Belfort de Carvalho, mulher, empreendedora, profissional de referência em medicina endocrinológica do Pronto Socorro São Francisco e atuante na linha de frente contra a Covid-19.

 

QUANDO A GUERRA TEM COMANDO FEMININO

Eu, Patrícia, 40 anos, mulher nordestina e sertaneja, médica, mãe, filha, esposa e dona de casa vivi a guerra. Na verdade, ainda vivo, ela não acabará tão cedo. Assim como eu, milhares de mulheres profissionais da saúde deixaram seus lares todos os dias sem saber se voltariam bem no próximo plantão.

A maioria esmagadora dos profissionais de saúde do Brasil são mulheres. Entre técnicas de enfermagem, enfermeiras, médicas e assistentes sociais definitivamente, as mulheres representam mais de 80% dos profissionais de saúde do país. O mundo evoluiu, ganhamos nossos direitos, mas não diminuíram os nossos deveres, acho até que aumentaram, somos comandantes do nosso lar e do ambiente de trabalho. As cobranças são muitas, agora temos que trabalhar, gerenciar a casa, cuidar dos filhos, malhar, fazer dieta, nos cobram exaustivamente por um mundo virtual pra estarmos sempre bem, lindas, sorridentes e felizes, ufa! Quem aguenta ser mulher no Brasil está pronta pra tudo.

A vida inteira vi filmes de guerras, os homens estavam nas frentes de batalhas, agiam de forma irracional matavam os inimigos (também homens) e assim milhões morreram em guerras bélicas, sangrentas e violentas. Hoje vivemos a guerra biológica, o inimigo é invisível, não se sabe sua origem, e as mulheres, mais uma vez, também assumiram posição de defesa. Colocamos nossas vidas e a de nossas famílias em risco, carregamos danos não mais físicos, mas fortemente psicológicos, além de traumas e cicatrizes talvez nunca apagadas. O medo domina nossas vidas e com ele seus sintomas: angústia, ansiedade, palpitação, insônia, tristeza e irritação. Não vemos uma luz no fim do túnel, nosso exército parece não ter comando e todos os dias, nós mulheres, antes consideradas sexo frágil, presenciamos a batalha e por vezes, o fracasso. Lutamos, choramos, nos emocionamos, celebramos as vitórias, mas a morte parece continuar batendo com avidez na nossa porta.

Após quase 60 dias de luta, vivenciei a partida dolorosa, sofrida e inacreditável de meu pai pelo Covid. Ele foi sepultado num dia de sábado e na segunda-feira eu e minhas duas irmãs médicas não vivenciamos o luto, estávamos no hospital porque precisávamos mostrar força para as pessoas, porque era preciso continuar. Minha mãe, idosa, com 30 dias após a partida do marido, já estava trabalhando para ajudar no comando da nossa empresa. Que mulheres, meu Deus!

Hoje estar aqui, viva, um ano após o início de tudo já é motivo de agradecimento. As profissionais de saúde terão grandes histórias para contar no futuro, de como vivenciaram uma catástrofe, partidas dolorosas, despedidas não realizadas e a perda de tantos colegas de profissão.

Recebi minha vacina, continuo na minha atividade, a guerra não tem prazo pra acabar, não assisto mais televisão, não quero mais saber de notícias ruins, apenas me atualizarei nas evidências sobre a doença, chega de Fake News que prejudicam minha saúde mental.  O meu conceito de felicidade mudou e já não penso tanto no futuro ou qualquer extravagância supérflua e material.

Hoje sou outra mulher, ainda mais firme, corajosa e agradecida a Deus pela vida.

 

Patrícia Belfort

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