Toda segunda-feira, semanalmente, você poderá imergir em uma proposta de leitura e interpretação, sempre acompanhada de uma assinatura autoral criada especialmente para o Pauta de Hoje. O objetivo da Coluna Semanal é primar pela leveza de conteúdo, com reflexões e opiniões sobre diversos temas do cotidiano.
Nesta semana, excepcionalmente, a Coluna Semanal está sendo publicada na quarta-feira. O convidado da semana é o advogado salgueirense Dr. Ilton Lima.
A JUSTIÇA E O LOCKDOWN
Desde que foi anunciada ao mundo, a pandemia do ‘novo’ Coronavírus (SARS-Cov-2), popular Covid-19, despontou em alguns países uma dicotomia irrefletida, ilógica e quase sempre movida por paixão político partidária ou por determinado agente público: contra e favorável. O que se denota é a vida cotidiana sendo rebaixada a mais abjeta questão ideológica.
Assim, na busca desenfreada por protagonismo, audiência nos tradicionais veículos de comunicação, likes, seguidores em redes sociais e agradar seus correligionários – objetivando votos nas eleições recém passadas e com vista às próximas –, administradores públicos começaram a publicar decretos que contrariam a Constituição Federal e ferem suas cláusulas pétreas, repetindo em coro o jargão que é para “salvar vidas”. O gesto pode até ser nobre ou necessário, mas as medidas são inconstitucionais.
Como se estabeleceu conflitos entre os Decretos Federais, Estaduais e Municipais, em abril de 2020, julgando a Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPF 672), o Supremo Tribunal Federal reconheceu e assegurou a “competência concorrente dos governos estaduais e distrital e suplementar dos governos municipais, … independentemente de superveniência de ato federal em sentido contrário”, podendo cada um adotar medidas restritivas durante a pandemia, “tais como, a imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre outras”.
Assim, Estados e Municípios passaram a adotar ações restritivas, cada um de seu modo e como lhe aprouvesse. Dentre as medidas exemplificadas(sic!) pelo STF – “entre outras” – estão “quarentena, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas”, ou seja, “lockdown”. Aliás, nesta pandemia o STF recebe críticas dos operadores do Direito, pois, ao invés de atuar como “o Tribunal da última palavra”, passou a proferir “a primeira”, invertendo a ordem dos processos judiciais e obstaculizando as Instâncias inferiores, já que suas decisões não podem contrariar as da Suprema Corte.
Ficou evidente que apesar de todo avanço tecnológico e o desenvolvimento da sociedade, a população mundial não estava preparada para enfrentar uma pandemia. Evidentemente que o Poder Judiciário também não, seja quando provocado para decidir ou administrativamente para estabelecer seu próprio funcionamento neste período.
Para enfrentamento da pandemia, o Poder Judiciário adotou diversas medidas limitantes das atividades. O Conselho Nacional de Justiça(CNJ), através da Resolução No 313, de 19 de março de 2020, e seguidas reiterações, estabeleceu que “Os tribunais definirão as atividades essenciais a serem prestadas”, mas, suspendendo “o atendimento presencial de partes, advogados e interessados, que deverá ser realizado remotamente pelos meios tecnológicos disponíveis”.
Com exceção de poucos dias, o Poder Judiciário suspendeu prazos processuais e atos presenciais, inclusive de advogados, limitando consideravelmente o exercício profissional. Foram disponibilizados alguns canais de comunicação, como email e aplicativos específicos, mas nenhum deles pode substituir a efetividade e celeridade do despacho do advogado diretamente com o magistrado ou assessores.
A dificuldade é que o Brasil tem atualmente 91 tribunais – federais (61) e estaduais (30) – e mais o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cada um estabelecendo regras próprias de atuação durante a pandemia.
Assim, a advocacia e a magistratura se viram em uma “pandemia jurídica”, com processos demais, pessoal de menos, prazos processuais suspensos, tribunais e fóruns fechados há um ano. Não ocorreu a chamada “prestação jurisdicional” a contento. Interessante é que todos os operadores do Direito reclamam, inclusive magistrados, que dependem de sistemas ultrapassados e internet lenta. O que já era vagaroso tornou-se apático.
É certo que alguns tribunais divulgam que proferiram milhares e até milhões de despachos e decisões durante a pandemia, contudo, esta efetividade demora a chegar partes dos processos, pois, na maioria não é cumprida a determinação devido a redução de servidores e do trabalho limitado dos oficiais de justiça e, ainda, com os prazos suspensos, demoram muito mais para transcorrer.
Aquilo que era cogitado para se implementar em anos, foi instaurado em meses, e ainda continua se modificando. O certo é que o Poder Judiciário e a advocacia tiveram que aderir de súbito a era digital, praticamente soterrando o método físico de pastas, papeis e carimbos. Esta mudança teve impacto modificativo na forma de agir dos advogados e advogadas, seja no peticionamento ou atendimento aos clientes, onde a disponibilidade e a presteza se uniram ao conhecimento técnico e a experiência, tudo como forma de atingir resultado satisfatório em menor espaço de tempo possível.
O problema é o que era para ser exceção agora tornou-se regra e, pelo que se constata, agradou bastante alguns setores do Judiciário, onde já se intensifica rumores de que deve ser mantido – claro, em menor extensão –, como forma de “efetividade e racionalidade das despesas e dos trabalhos”.
O Poder Judiciário não é criador de leis ou regras, mesmo para determinar a implantação ou não de lockdown, função constitucionalmente garantida ao Executivo, nos limites legais e no interesse da sociedade. Entretanto, o que vimos no período de pandemia – além dos chefes de executivos buscando reconhecimento falso de salvadores do povo –, foi um desmedido ativismo judicial, olvidando que a implantação de suas decisões necessita de um conjunto de obrigações e articulação de várias áreas do governo, com ênfase na financeira e de pessoal.
O pior é que não se atentaram que a decisão do Poder Judiciário retira do Poder Executivo diversas responsabilidades inseridas em lei, podendo alegar que “estava apenas cumprindo ordem judicial”, quando futuramente cobradas as responsabilidades.
O Judiciário deve adotar a “autocontenção judicial” e reconhecer que as políticas públicas, como o lockdown, somente devem ser estabelecidas pelo Poder Executivo em suas diversas áreas de competência. Ao mesmo, buscar formas de agilização dos processos e oferecer ao jurisdicionado decisões rápidas, jurisprudência uniforme e, o mais breve possível e com as cautelas necessárias, o retorno ao atendimento presencial.
Por fim, registremos que o lockdown é medida excepcional, contudo, se decretado, deve ser obedecido. Não se pode invocar “Estado de Direito” descumprindo as normas postas, ainda que não concorde com elas ou tenha ressalvas.
Ilton Lima